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Poucas empresas concedem benefício de seis meses às mulheres

Com dois anos de aplicabilidade da legislação que estende para mais dois meses a licença-maternidade, apenas 6,7% das empresas brasileiras aderiram ao programa

 

Os 180 dias em casa junto da pequena Julia não significaram sacrifício para a analista de educação corporativa da rede Walmart, Elisa Sayuri Doi. Pelo contrário, o período maior em contato com a filha aguçou ainda mais o seu desejo de ser mãe. “Nestes seis meses minha filha nunca adoeceu e só recebeu leite materno”, comenta orgulhosa a “mamãe de primeira viagem”. A analista se sente grata por a empresa proporcionar estes momentos junto à criança. “Este período ajudou muito no vínculo com meu bebê e eu fico ainda mais ligada à empresa por causa disso”, diz a profissional, animada por voltar ao trabalho.

A culpa e a dificuldade em se afastar dos filhos tão pequenos são um dos grandes sofrimentos para a maioria das mães trabalhadoras. A Lei Estadual n° 13.117 de 2009 garantiu às servidoras públicas a ampliação de 120 dias para 180 dias de licença. Para as empresas do setor privado, a adoção continua sendo optativa, de acordo com a Lei Federal n° 11.770/2008, regulamentada pelo Decreto n° 7052/09, que permite a adesão da empresa ao programa Empresa Cidadã, que concede ao empregador dedução no Imposto de Renda, a título de incentivo fiscal.

Passar mais tempo nos primeiros meses dos filhos trouxe alívio e conforto àquelas mulheres que sonham em exercer a maternidade. A lei foi aprovada com o intuito de oferecer melhores condições de amamentação e ampliação do vínculo entre mãe e filho.  Porém, para o setor privado, a lei só passou a vigorar a partir de 2010. Entretanto, algumas empresas entenderam, bem antes disso que o benefício poderia significar em aumento de produtividade de suas funcionárias, como é o caso da rede Walmart. Retornando mais tarde ao trabalho, as trabalhadoras não teriam mais a preocupação em amamentar, e consequentemente, os filhos adoeceriam menos, trazendo de volta a concentração em suas atividades profissionais.

No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), das 160 mil grandes empresas privadas, apenas 10,5 mil oferecem o benefício. Para o diretor de Relações Trabalhistas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS), Júlio Bonesso, a pouca representatividade de empresas privadas a oferecer o benefício pode estar na própria contemplação restrita da lei, pois somente as que estão enquadradas no sistema de lucro real podem deduzir os 60 dias no IR.

Além disso, a participação é facultativa, ou seja, se a empresa entender que não é vantajoso, poderá não prorrogar a licença por mais dois meses. “Todos os avanços que envolvem as relações de trabalho, em um primeiro momento, causam desconforto e desconfiança nas organizações”, explica. Ele acredita que, com o passar do tempo, as empresas acabarão se adequando e incorporando os benefícios à sua rotina. Apesar disso, Bonesso reconhece que, no momento da contratação, os empregadores podem levar em consideração o afastamento de quase um ano da profissional, pois normalmente além dos seis meses é acrescido 30 dias de férias, dando preferência aos profissionais do sexo masculino.

Walmart já beneficiou cinco mil mães

A rede varejista Walmart adotou a licença-maternidade prorrogada em 2008, beneficiando mais de cinco mil mulheres no País. Segundo o gerente de Relações Trabalhistas, Luis Carlos Gandon Araujo, as mulheres são maioria na rede, com 52% dos cargos, e cerca de 35% delas em posições gerenciais.

As empregadas que voltam da licença-maternidade e funcionários que estudam têm preferência para escolher o turno de trabalho. Muitas dessas iniciativas surgiram após a criação do Conselho de Mulheres, que atua na promoção de práticas e políticas de apoio.

Araujo diz que a licença de seis meses mostra que a rede se preocupa com a funcionária e tem consciência da importância da amamentação.O afastamento por mais tempo da trabalhadora não é prejudicial mas sim um fator de motivação. Antes da medida, as mães precisavam sair mais cedo para alimentar os bebês e a empresa arcava com os custos do auxílio-creche. Araujo acredita que o benefício deveria ser obrigatório para que não ocorressem discriminações nem preconceitos.

Empresários gaúchos não veem vantagens

Embora algumas empresas já adotem a licença de seis meses, os empresários gaúchos ainda não acreditam nos benefícios que podem obter.  A Federasul se declarou contrária à licença-maternidade estendida. “A entidade acredita que são decisões que não favorecem os trabalhadores e podem causar, inclusive, contenção de contratações em função desta cláusula.”

Para o presidente do Sistema Fecomércio-RS, Zildo De Marchi, o ganho para a empresa que optar por estender o prazo da licença é exclusivamente na dedução do Imposto de Renda. Segundo ele, dependendo da situação e do porte do empreendimento, mesmo recebendo o incentivo da Receita Federal, em muitos casos, não configura uma medida compensatória.

De Marchi explica que o empregador ficará sem a funcionária por um longo período e precisará realizar nova contratação para ocupar a vaga em aberto, implicando custos extras. Segundo o dirigente, a medida é vista como um entrave à competitividade e pode agravar a disparidade existente na contratação de homens e mulheres.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Região Metropolitana de Porto Alegre a taxa de desemprego entre mulheres supera a dos homens. Em agosto, essa taxa foi de 6,5% entre as mulheres e de 4% entre os homens. Igualmente, o rendimento médio das mulheres ocupadas em áreas urbanas do Estado é aproximadamente 37% menor que a dos homens em igual situação.

GHC foi um dos pioneiros na adoção dos 180 dias

O Grupo Hospitalar Conceição (GHC) adotou a licença-maternidade de seis meses em 2008. A decisão já beneficiou 468 mães entre os três hospitais do grupo - Nossa Senhora da Conceição, Cristo Redentor e Fêmina, sendo 34 casos por adoção.

Segundo o gerente de Recursos Humanos do GHC, José Pedro da Luz, a extensão do tempo para as mães cuidarem dos bebês é muito importante para a instituição que tem 74% da sua força de trabalho do sexo feminino - dos 7,4 mil funcionários, 5.476 são mulheres.

A partir de uma pesquisa realizada entre os funcionários, foi possível observar que os atestados das trabalhadoras diminuem consideravelmente quando as crianças entram na creche com seis ou sete meses de vida. “Nós tivemos um ganho, pois as mães voltam com muito menos preocupação”, diz. Luz aconselha as empresas privadas a adotarem a lei. “Parece fácil falar, pois nossa empresa é púbica, mas as companhias privadas que adotaram a lei não se arrependeram, pelo contrário.”

Petrobras facilita o aleitamento materno

A carioca Rafaela Sodré, de 31 anos, dentista da Petrobras, diz ter passado os melhores seis meses da sua vida ao lado do seu primeiro filho, Pedro. “Foi maravilhoso ficar mais tempo perto dele e eu não queria que ele tivesse outra alimentação que não fosse o leito materno antes dos seis meses”, conta. Rafaela tomou a decisão de engravidar motivada pelo tempo da licença concedido pela companhia. De volta ao trabalho há dois meses, ela se sente mais animada e muito mais tranquila.

A Petrobras que já administrava a licença estendida desde 2008 para as 13.408 funcionárias acredita que foi um avanço nos direitos das mulheres a adoção da Lei 11.770/2008 com o Programa Empresa Cidadã.

Em nota, a Petrobras comunica que a empresa busca se integrar ao esforço da sociedade em estimular o aleitamento materno exclusivo ao longo dos seis primeiros meses de vida dos bebês, e acredita que esse período de adaptação é de grande importância para a formação física e psicológica das crianças. “Garantir esse direito às mulheres é dever de qualquer empresa que pauta suas ações na promoção dos direitos humanos, no respeito às diferenças e na igualdade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho”, esclarece.

A empresa possui salas de apoio à amamentação. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida. Os pediatras concordam e pregam que, quanto mais tempo a mãe puder amamentar, melhor para a saúde do bebê. As salas ajudam as mães a superar obstáculos de ordem prática, para que possam se dedicar ao aleitamento.

Desconhecimento dificulta  adesões

A falta de conhecimento dos reais benefícios da Lei 11.770/2008 e o medo de algo desconhecido são um dos motivos apontados pelo contador e conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS) Lino Bernardo Dutra pela pouca adesão das empresas. Ele diz que os profissionais da contabilidade precisam explicar e convencer os empresários dos ganhos que eles podem obter perante a sociedade.

Dutra enfatiza que a licença-maternidade estendida não prejudica as empresas, pois a lei cria um programa de troca e elas podem obter ganhos usando o benefício como ferramenta de marketing que pode ser publicado no balanço social. “Dessa forma, com certeza, a sociedade irá enxergar esta empresa com bons olhos”, aconselha.

“As empresas estão inseridas na sociedade e elas não podem somente visar lucros, devem também compartilhar com a sociedade”, comenta Dutra. “Ficamos com um pé atrás, pois é algo novo e sempre ficamos assim com algo que não conhecemos, mas aos poucos os empresários vão mudar e irão aceitar melhor isso.”

 

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